domingo, 20 de setembro de 2009

O doutor acadêmico é diferente do doutor profissional

Acima a Imagem de Cícero um dos primeiros advogados de que se tem notícia na história da humanidade.

Advogados e doutores

O Doutor acadêmico é diferente do Doutor profissional


Por Jarbas Andrade Machioni*


É impressionante como o tema ainda suscita polêmica diante do seu emprego multissecular e da clareza do uso na realidade do dia-a-dia. Impressiona mais ainda verificar como certos pesquisadores tendo obtido o seu título de “doutor” científico, agarram-se a ele passando a ostentá-lo e arvorar-se como únicos legitimados a seu uso, e assim voltam-se contra a realidade, querendo corrigir pessoas, ir contra vários dicionários, com a pretensão de impor-se a todos numa jactância arrogante e irrealista. Não querem o título só para si, mas curiosamente querem interditá-lo a outrem.

Todos dizem não se importar, mas se importam. Natural num tempo de pessoas acharem-se como “estampados num outdoor”… e talvez estejam mesmo, ou pelo menos em algo próximo, está aí o Orkut, Facebook etc.

Aliás, num episódio, a meu ver, surrealista, o Conselho de Enfermagem editou a Resolução COFEN-256/2001 que autoriza o uso do título de Doutor pelos enfermeiros (http://www.portalcofen.gov.br/2007/materias.asp?ArticleID=7087&sectionID=34). Um dos fundamentos da norma é que não poderia haver diferenciação entre os profissionais de saúde! Ora, ora.

Votando ao tema, a despeito do apurado artigo publicado há alguns dias por um eminente articulista, dizer que o tratamento “doutor” é privativo de quem efetuou o doutorado é inverter a realidade e ancorar-se em um entendimento raso, confundido as coisas. Pior ainda é chamar de “acepção técnica” uma utilização em relação a outra. Só se for técnica para titulação de pesquisa, o que é importante e obrigatório apenas para os pesquisadores.

A palavra, obviamente e como tantas outras, comporta mais de um significado.

Embora ligados pela idéia originária de autoridade para ensinar, o doutor do grau científico nada tem a ver com o doutor aplicado a profissionais, e este veio primeiro do que aquele. Esse termo é a versão latina do tratamento dado aos que conheciam ou ensinavam religião.

De um modo geral, o termo “doutor” empregado a advogados, juízes e promotores decorre de tradição, multissecular tradição. Surgiu na Europa aplicado primeiramente aos profissionais do Direito e somente com o decorrer do tempo foi estendido também aos médicos. O paralelo com os doutores da religião advém da idéia não só de conhecimento mas de autoridade nesse conhecimento.

O surgimento dessa história dá-se no Século 11. Com a complexidade crescente do comércio e das relações sociais nas cidades européias e principalmente italianas, começaram a despontar profissionais juristas, encarregados de interpretar as leis, costumes e regras à luz da compilação de textos autorizados do Direito Romano, e eles ensinavam essa sua ciência aos que queriam segui-la. Esses primeiros juristas apresentavam-se sob o titulo de “Doctor Legis”.

Podemos lembrar um trecho da peça “Mercador de Veneza, de Shakespeare (há outras passagens): his letter from Bellario “doth commend / A young and learned doctor to our court . A peça escrita provavelmente em 1594, teria como fonte o conto Il Pecorone de 1558; o jurista que soluciona o caso é tratado de Doctor ou Civil Doctor.

Na passagem do Século 11 a 12, como assinalam tratadistas, os primeiros títulos de doutor foram reconhecidos para juristas praticantes pela Universidade de Bolonha, primeiramente a Inerius, depois para os chamados “Quatro Doutores”, a saber Martinius, Bulgarus, Hugo e Jacobus, todos no Século 12 (entre outros textos de referência, ver http://www.cronologia.it/mondo38o.htm) .

Esses títulos não correspondiam ao equivalente da pesquisa moderna (mestrado ou doutorado), mas apenas de habilitação tanto à docência quanto à prática, visando principalmente à entrada do titulado para uma corporação de ofícios ou guilda (Guild, no texto original – conforme Reinildis van Ditzhuyzen, em http://ugle.svf.uib.no/svfweb1/filer/1309.pdf - esse texto é um estudo sobre o projeto Bolonha, tendente a unificar o os programas de doutoramento na Europa). Logo, tanto a Universidade de Bolonha quanto de Paris passaram a apresentar alguma sistemática para reconhecer o titulo.

Todavia, a idéia de doutorado enquanto pesquisa, tão cara a alguns, somente surge em Berlim, na Universidade de Humboldt em 1810 (http://ugle.svf.uib.no/svfweb1/filer/1309.pdf, pg. 2) .

Para os advogados brasileiros, nossas raízes remontam, obviamente, a Portugal. Podemos identificar que em 1400, o mítico jurisconsulto português João das Regras foi nomeado reitor na Universidade de Coimbra e já ostentava o titulo de doutor em leis, pela Universidade de Bolonha. Logo tratamento de doutor estendeu-se aos desembargadores, juízes e advogados em geral.

No Brasil, a literatura do século 19 , passando de Machado Assis até José de Alencar, reflete a prática do tratamento de doutor ao advogado.

Prática essa que diuturnamente se confirma até hoje, em bancas, congressos, tribunais e perante o público em geral. Basta ler as atas dos tribunais.

Um conhecido texto do advogado Júlio Cardella afirma que a matéria foi objeto de normatização: o Alvará Régio de D. Maria 1ª, a Pia. Verdadeiro ou não, isso só reflete a idéia de prática secular (http://www.vrnet.com.br/oabeunapolis/artigo-doutor.html). Esse autor cita Pedro Nunes (Dicionário de Tecnologia Jurídica):

BACHAREL EM DIREITO - Primeiro grau acadêmico, conferido a quem se forma numa Faculdade de Direito. O portador deste título, que exerce o ofício de Advogado, goza do privilégio de DOUTOR (aos que gostam de pesquisar citamos as fontes dessa definição: Ord. L. 1° Tit. 66§42; Pereira e Souza, Crim. 75. e not. 188; Trindade, pág. 157, nota 143 in fine, e pág. 529 § 2°; Aux. Jur., pág. 355 Ass93). O doutor Júlio Cardella é enfático: "esse titulo constitui adorno por excelência da classe advocatícia".

Aliás, isso não ocorre só no Brasil, por longa tradição e deferência especial é costume em muitos países dar-se um título diferenciado a juristas, seja no trato com a população seja nos tribunais, e esse título nem sempre de doutor, como veremos.

Ostentam o titulo de doutor os advogados em Portugal, Argentina, Chile, Áustria, e Uruguai, entre outros.

Aliás, em Portugal assinalam dicionaristas autorizados, como Cândido de Figueiredo, que esse titulo estende-se aos licenciados e bacharéis em geral - embora a praxe popular costume reservá-los apenas advogados e médicos.

Na Itália o titulo de doutor é outorgado a todos formados nas faculdades, o que leva os advogados a adotarem como titulo diferenciador a própria palavra Avvocato (v.g. Avv. Fulano - como atesta a deliciosa obra Eles, os juízes, Vistos por Um Advogado, de Piero Calamandrei), ainda na Itália há, para pesquisadores, o título de “dottore di ricerca”.

Na França, Mônaco, Canadá francófono e Bélgica o titulo dado aos profissionais do direito (avocat ou avoué) é “Maître” (“mestre”).

Nos Estados Unidos, em juízo, o titulo usual a advogados na maioria das cortes é “Counselor”, externamente adotam “Esquire” (algo semelhante a “Cavaleiro” ou “Escudeiro”, um certo título de nobreza). Entretanto, atualmente as escolas de direito americanas concedem o titulo de “Juris Doctor” ou “Doctor of Jurisprudence” (J.D.) a todos os seus formados, que não se confunde nem equivale o “Ph.D” (este mais equivalente ao nosso doutorado em pesquisa) .

Embora não seja absolutamente usual o tratamento de doutor para advogados, a American Bar Association modificou sua opinião no sentido de que os advogados podem usar tal título (http://www.abanet.org/media/youraba/200709/ethics.html)

A ritualística, titulação e formalidades históricas na Inglaterra, País de Gales, Hong Kong e assemelhados, dispensam maiores comentários e fazem parecer simplório o tratamento de doutor, já que muitos deles são nobremente chamados de “Sir” ou “Lords”.

Como expus no início desse artigo, é diferente esse tratamento profissional de doutor, fundado em multissecular prática, e o titulo científico.

Maria Helena Diniz no seu Dicionário Jurídico, identifica duas acepções para a palavra “doutor” (1) a de tratamento honorífico a juízes, promotores, delegados, advogados e médicos, e (2) titulo daquele que defendeu tese de doutorado em universidade.

Ou seja, o melhor entendimento é de que a titulação científica difere do título profissional (seja ele originário no costume, de caráter coloquial ou na própria denominação da láurea de graduação, como é o caso da Itália e Estados Unidos).

Como se está vendo, essa diferenciação repete-se nos demais países comentados, distinguindo o tratamento dispensando a profissionais (sejam médicos, advogados ou demais profissionais, aonde a praxe existir) e o conferido como titulo científico.

No Brasil, matéria não deveria suscitar grande debate, diante da imensa prática e tradição acima apontada. Nem se deve confundir o doutorado de pesquisa com o título dado a profissionais.

De qualquer maneira, reconheço que o assunto não deveria ter grande relevo, mas convém tratar por dois motivos: o primeiro é relembrar aos iniciantes a importância e força da história e da tradição, não só no Brasil mas em todos paises do mundo, principalmente esta como fonte de Direito. O segundo é constatar como estamos perdendo memória, ignorando a necessidade de pesquisar, o que nos tem levado a manter debates superficiais e, portanto, inconsistentes, ainda mas para quem deveria ser, ou gaba-se de ser, pesquisador.

Como já disse antes, não tenho o hábito de exigir esse tratamento por parte de ninguém, nem de funcionários, colegas ou estagiários, ou mesmo de clientes, na verdade, até dispenso inclusive o tratamento de senhor. Sempre achei que, num breve futuro, quem sabe não iríamos como o tempo dispensar os ridículos tratamentos de “excelência”, “meritíssimo”, etc, mas, pelo contrário, hoje temos até “desembargadores regimentais”.

*Jarbas Andrade Machioni é advogado e presidente da Comissão de Assuntos Institucionais da OAB-SP

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Situação do Judiciário no Interior do Ceará preocupa CNJ


O Povo

Situação do Judiciário no Interior do Ceará preocupa CNJ

04 de Setembro de 2009 às 08:13

http://www.caace.org.br/noticias/3632/S09S/Situacao+do+Judiciario+no+Interior+do+Ceara+preocupa+CNJ.html

A indicação de servidores das prefeituras municipais para trabalhar nas comarcas do Interior do Ceará é uma das principais preocupações do ministro-corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Gilson Dipp, que presidiu ontem a audiência pública em que entidades colocaram o Poder Judiciário cearense na berlinda.

Na audiência, diante do ministro do CNJ e do presidente do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE), desembargador Ernani Barreira, um membro do Sindicato dos Oficiais de Justiça do Ceará (Sincojust) apresentou os números: dos 1.917 servidores que trabalham em todas as comarcas no Interior do Ceará, 1.049 são servidores das prefeituras – ou seja, 54,7% desses funcionários não teriam passado pelo devido concurso público que os habilitasse a receber as responsabilidades inerentes ao trabalho no Poder Judiciário.

Segundo o diretor financeiro do Sincojust, Edmilson de Paula, os números são fruto de levantamento feito pelo próprio Sincojust. Na audiência, a entidade questionou: “Como é que um funcionário da prefeitura, que geralmente é cabo eleitoral do prefeito, vai manusear um processo contra o próprio prefeito? Como é que fica a isenção da Justiça nesse caso?”

Em entrevista, Ernani Barreira reconheceu que o ideal é não ter funcionários das prefeituras servindo nas comarcas. “Mas existe um problema que é orçamentário. Eu não posso ocupar 500 vagas com apenas 100 concursados”. O desembargador disse que o Governo do Estado está sendo “muito atencioso”, mas que faltam as verbas para contratar o número suficiente de pessoas. “O que nós não faremos é deixar fechar uma comarca por falta de servidores”, garantiu Ernani.

Não há ilegalidade”

Gilson Dipp reconheceu que funcionários municipais não possuem qualificação técnica para atuar no Judiciário. Ele informou, no entanto, que não há ilegalidade nesta situação. “O que o CNJ vai poder fazer é determinar que o TJ daqui observe objetivamente essa questão”, disse. Dipp adiantou que os problemas “básicos” da Justiça no Interior - como a falta de servidores - deverão ser apontados pelo relatório da inspeção que o CNJ está realizando no Ceará. As investigações deverão continuar na próxima semana e o relatório deve sair em até 45 dias.

Durante toda a tarde de ontem, Ernani e Dipp escutaram discursos e reclamações de diversas entidades cearenses, como sindicatos de servidores, Ministério Público Estadual, Secretaria da Segurança Pública, Ordem dos Advogados do Brasil secção Ceará (OAB-CE) e alguns juízes. Outras reclamações foram a ausência de defensoria pública no Interior e a dissonância de posicionamentos jurisdicionais entre as instâncias. O CNJ promete analisar todas as queixas.

EMAIS

- Segundo o ministro do CNJ, Gilson Dipp, faltam servidores nas comarcas do Interior, mas há um acúmulo de pessoal em Fortaleza.

- A assessoria do CNJ disse que o possível erro estatístico na quantidade de processos iniciados até 2005 ainda sem julgamento no Ceará, mostrado ontem pelo O POVO, será analisado.

- Em sua participação da audiência pública, o procurador-geral de Fortaleza, Martônio Mont’Alverne disse que, na prática, quem está regulando o uso do espaço urbano em Fortaleza é o Judiciário - já que, segundo ele, é grande o número de liminares que contrariam determinações da Prefeitura.

O Povo


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Nota do Autor do BLOG: Ministro, não só é ilegal como é inconstitucional a contratação e manutenção desse pessoal do executivo municipal para o Judiciário Cearense.