quinta-feira, 20 de maio de 2010

DECISÃO

19/05/2010 - 08h00


Decisão judicial pode assegurar direitos fundamentais que acarretem gastos orçamentários

Em decisão unânime, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a possibilidade de determinação judicial assegurar a efetivação de direitos fundamentais, mesmo que impliquem custos ao orçamento do Executivo. A questão teve origem em ação civil pública do Ministério Público de Santa Catarina, para que o município de Criciúma garantisse o direito constitucional de crianças de zero a seis anos de idade serem atendidas em creches e pré-escolas. O recurso ao STJ foi impetrado pelo município catarinense contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC).

O TJSC entendeu que o referido direito, reproduzido no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é um dever do Estado, sendo o direito subjetivo garantido ao menor. Ele assegura a todas as crianças, nas condições previstas pela lei, a possibilidade de exigi-lo em juízo, o que respaldou a ação civil proposta pelo MP estadual, devido à homogeneidade e transindividualidade do direito em foco.

Ainda de acordo com a decisão do TJSC, a determinação judicial do dever pelo Estado não caracteriza ingerência do Judiciário na esfera administrativa. A atividade desse dever é vinculada ao administrador, uma vez que se trata de direitos consagrados. Cabe ao Judiciário, por fim, torná-lo realidade, mesmo que para isso resulte obrigação de fazer, podendo repercutir na esfera orçamentária.

No recurso, o município de Criciúma alegou violação a artigos de lei que estabelecem as diretrizes e bases da educação nacional, bem como o princípio da separação dos Poderes e a regra que veda o início de programas ou projetos não incluídos na Lei Orçamentária Anual (LOA). Sustentou também que as políticas sociais e econômicas condicionam a forma com que o Estado deve garantir o direito à educação infantil.

Em seu voto, o ministro relator, Humberto Martins, ressaltou que a insuficiência de recursos orçamentários não pode ser considerada uma mera falácia. Para o ministro, a tese da reserva do possível – a qual se assenta na ideia de que a obrigação do impossível não pode ser exigida – é questão intimamente vinculada ao problema da escassez de recurso, resultando em um processo de escolha para o administrador. Porém, a realização dos direitos fundamentais, entre os quais se encontra o direito à educação, não pode ser limitada em razão da escassez orçamentária. O ministro sustentou que os referidos direitos não resultam de um juízo discricionário, ou seja, independem de vontade política.

O relator reconheceu que a real falta de recursos deve ser demonstrada pelo poder público, não se admitindo a utilização da tese como desculpa genérica para a omissão estatal na efetivação dos direitos fundamentais, tendo o pleito do MP base legal, portanto. No entanto, o ministro fez uma ressalva para os casos em que a alocação dos recursos no atendimento do mínimo existencial – o que não se resume no mínimo para a vida – é impossibilitada pela falta de orçamento, o que impossibilita o Poder Judiciário de se imiscuir nos planos governamentais. Nesses casos, a escassez não seria fruto da escolha de atividades prioritárias, mas sim da real insuficiência orçamentária.

STJ: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=97304

domingo, 2 de maio de 2010

NA DEFESA DAS PRERROGATIVAS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DOS ADVOGADOS.


Ministro Joaquim Barbosa determina acesso a inquérito policial para advogado de investigado


Sexta-feira, 30 de Abril de 2010

Foi publicada nesta sexta-feira (30) a decisão do ministro Joaquim Barbosa que abre parcialmente os arquivos do inquérito policial aos advogados de J.T.N., investigado pela polícia no caso de um homicídio. Eles ajuizaram no Supremo uma Reclamação (RCL 9906) pedindo o cumprimento da Súmula Vinculante 14.

A Súmula reconhece o direito dos advogados a ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

A decisão de manter as investigações sob sigilo foi tomada pela 1ª Vara do Júri de Porto Alegre para a garantia do bom andamento da própria investigação e também para o cumprimento das medidas cautelares em curso.

No caso de J.T.N. alegou-se que o inquérito era mantido em segredo porque ele estaria apenas sendo investigado – e não acusado – no processo sobre o homicídio do Secretário de Saúde de Porto Alegre (RS).

No entanto, o ministro Joaquim Barbosa lembrou a jurisprudência do Supremo que deu origem à Súmula Vinculante 14: ela reconhece que o sigilo dos autos de inquérito não é obstáculo para o acesso do advogado da parte a eles.

O ministro disse que, sendo J.T.N. um dos investigados no inquérito policial, “deve ser facultado ao advogado constituído o acesso aos elementos de informação já documentados nos autos, não obstante o caráter sigiloso dos mesmos, excluindo-se de tal faculdade, contudo, o acesso aos documentos pertinentes às medidas cautelares ainda em curso, sob pena de frustração do procedimento apuratório”.

Na decisão, ele permite ao advogado inclusive fazer cópias dos elementos de prova já documentados, mas adverte que ele tem o compromisso de manter sigilo sobre os dados que estão sob segredo.

MG/LF


Notícia no site do STF em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=125582&tip=UN

DEFESA DAS PRERROGATIVAS DOS ADVOGADOS

Prerrogativas profissionais

Advogado não pode ser punido por se retirar de audiência

O advogado Edson Pereira Belo da Silva conseguiu suspender a ação penal a que respondia por desacato a autoridade, por ter se retirado de uma audiência. A decisão foi tomada pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (leia abaixo a íntegra da decisão).

Nomeado defensor dativo de um acusado de lesão corporal grave, o advogado foi privado da entrevista reservada com seu cliente. Sem conhecer a versão do acusado sobre os fatos, despachou petição dizendo os motivos pelos quais abandonaria a audiência criminal.

Diante disso, o juiz destitui o advogado da defesa e encaminhou cópia das suas petições, acompanhadas de outras peças dos autos, para o Ministério Público e OAB. A Ordem arquivou o procedimento por entender que o advogado agiu nos exatos termos da lei. Já o Ministério Público entendeu que ele cometeu crime de desacato contra o juiz e a promotora do caso.

Desde o começo

O advogado foi nomeado pelo juiz Nelson Bekcer, da 5ª Vara Criminal de Guarulhos, para defender um acusado de crime de lesão corporal grave, que já cumpria pena por outro delito na penitenciária do município paulista de Iaras. Belo da Silva foi informado que a entrevista reservada com o cliente era vedada na carceragem daquele Fórum.

Por esse motivo, entrou com Mandado de Segurança preventivo, com pedido de liminar, no extinto Tribunal de Alçada Criminal, na tentativa de garantir entrevista reservada, mesmo que ela tivesse que ser feita no gabinete do juiz. O pedido foi rejeitado.

O advogado compareceu à audiência de instrução e logo despachou petição pedindo que pudesse falar reservadamente com seu cliente, listando as garantias constitucionais do acusado e suas prerrogativas. O juiz negou o pedido e apenas autorizou a entrevista na própria sala de audiência.

Belo da Silva não aceitou a condição, que não atendia o caráter reservado da entrevista, e deixou a audiência. Ele entrou também com outro Mandado de Segurança para anular o ato e registrou a ocorrência em distrito policial.

O Ministério Público entrou com ação penal contra o advogado, por desacato. Em primeira instância, foi concedido Habeas Corpus de ofício para trancar a ação por falta de justa causa. O juiz recorreu de ofício, mandando o caso para o Colégio Recursal do Juizado Especial de Guarulhos. A relatora do processo, juíza Vera Lúcia Calviño, manteve o prosseguimento da ação.

No Habeas Corpus (leia abaixo a íntegra do pedido) impetrado no Supremo Tribunal Federal, o advogado obteve liminar para suspender a ação. Além disso, enviou cópias dos autos do HC para o Conselho Nacional de Justiça.

Leia a íntegra da liminar

HABEAS CORPUS Nr. 86.026

PROCED.: SÃO PAULO

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

PACTE.(S): EDSON PEREIRA BELO DA SILVA OU EDSON PEREIRA DA SILVA

IMPTE.(S): EDSON PEREIRA BELO DA SILVA

COATOR(A/S)(ES): TURMA CRIMINAL DO COLÉGIO RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL DA 44ª CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO

DECISÃO AÇÃO PENAL - DESACATO - ATUAÇÃO DE PROFISSIONAL DA ADVOCACIA - RELEVÂNCIA DO PEDIDO DE TRANCAMENTO FORMULADO - LIMINAR DEFERIDA - SUSPENSÃO DO PROCESSO.

1. A inicial de folha 2 a 18 retrata incidente relacionado com o pleito do impetrante e paciente, defensor dativo em certo processo, de manter contato com o acusado, o defendido. É que, após apresentar petição, visando ao contato direto com o defendido, o impetrante retirou-se da sala de audiência, tendo sido lavrado termo circunstanciado sobre o fato, dando margem à ação penal, trancada na origem, cuja seqüência foi determinada pela Turma Recursal.

Assevera-se o simples exercício de prerrogativa profissional, não havendo o elemento subjetivo do desacato, ou seja, a vontade de ofender ou desrespeitar o magistrado. Salientando-se o constrangimento que resultará da realização de audiência para os fins dos artigos 72 e 76 da Lei nº 9.099/95, requer-se a concessão de medida acauteladora que suspenda, até o julgamento final desta impetração, o processo em curso, restabelecendo-se, alfim, o entendimento sufragado na sentença do Juizado Especial e enviando-se cópia do acórdão a ser proferido à Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo e ao Conselho Nacional de Justiça, para as providências cabíveis. Acompanharam a inicial os documentos de folha 19 a 77.

2. Inicialmente, cumpre elucidar a duplicidade de nomes constantes na autuação. O próprio impetrante esclarece que deixou de ter o nome de “Edson Pereira da Silva”, em face da adoção do sobrenome da mulher, passando a ter o patronímico “Belo”. No mais, há de se preservar o exercício das prerrogativas do profissional da advocacia e aí surge o que pode ser apontado, de início, como resistência democrática, ou seja, não aceitar certo patrocínio ante a imposição de atos que se entenda virem a inviabilizá-lo. O termo circunstanciado de folha 35 revela parâmetros que longe ficam, e esta é a conclusão inicial, de configurar prática criminosa. Eis o resumo dos fatos:

Consta que em 11/11/03, durante a audiência no juízo da 5ª Vara Criminal de Guarulhos, o Advogado nomeado dativo Dr. Edson Pereira da Silva, em razão de problemas em entrevistar-se separadamente com seu cliente, preso oriundo da Penitenciária de Iaras, peticionou ao juízo nesse sentido e em razão do indeferimento despachou nova petição com o digno magistrado, comunicando sua retirada da sala já que se considerava “dispensável à justiça”, não assinando inclusive termo de deliberação.

Bem o disse o Juízo especial, ao conceder de ofício ordem de habeas corpus, determinando o trancamento do procedimento por falta de justa causa, que não houve postura de “achincalhe à honra do eminente Dr. Nelson Becker ou da ilustre Dra. Promotora de Justiça, Renata Christina Ballei”, no que o paciente, vislumbrando óbice à atuação profissional, retirou-se da sala de audiência. Pode entender-se lamentável o incidente, mas deveria ter tido solução diversa. O Colégio Recursal potencializou o fato de, na peça escrita, o advogado haver lançado que não convalidaria ato “autoritarista e repugnante”. Ora, ainda que se pudesse considerar as expressões como injuriosas, a situação concreta desafiaria a riscadura e não a iniciativa para processar o advogado por desacato.

3. Defiro a liminar para suspender, até o julgamento final deste habeas, o processo resultante do termo circunstanciado nº 306/04, originário da 4ª Vara Criminal de Guarulhos.

4. Já se contando com os elementos indispensáveis à compreensão da matéria, colha-se o parecer da Procuradoria Geral da República.

5. Publique-se.

Brasília, 4 de junho de 2005.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator