domingo, 14 de outubro de 2007

A Rigidez Constitucional e a Supremacia da Constituição.

Doutor J.J. Gomes Canotilho é Professor na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - Portugal.


A rigidez constitucional e a decorrente supremacia da constituição em relação as outras normas jurídicas é a essência do constitucionalismo moderno e grande conquista na proteção dos direitos fundamentais. O desaparecimento dos limites ao poder constituinte derivado representa o comprometimento do estado de direito e da segurança jurídica que este estado deve oferecer.
Dessa sorte, é dizer que em um ordenamento jurídico as normas constitucionais são as supremas porque não encontram outras que lhes sejam superiores, salvo se elas mesmas assim o disserem (caso de Estados que adotam o princípio da superioridade do direito internacional sobre o nacional). Nessa linha, a constituição é o parâmetro de validade das demais normas jurídicas, na medida em que para terem validade, estas normas devem conformar-se aos ditames das normas constitucionais.
Ou seja, todas as normas (dever-ser) produzidas (provimentos legislativos, provimentos administrativos e provimentos judiciais), autorizadas (atos privados de particulares ou de grupos, etc.) ou reconhecidas (costumes, direito canônico, outros ‘sistemas jurídicos’, etc.) pelo Estado devem se adequar às normas da Constituição, ao dever-ser constitucional. Eis o cânon vital da supremacia da Constituição e, por conseguinte, do próprio sistema jurídico.

Sabemos também que a constituição muda não apenas através da mudança do seu texto. A mudança do texto é apenas um mecanismo de atualização e aperfeiçoamento da Constituição.
A Constituição também muda, evolui, se atualiza, com a mudança de sua interpretação. Portanto, mudando a sociedade e os valores desta sociedade, muda o olhar sobre o texto e mudam os significados dos diversos significantes, que são as palavras, regras e princípios. Uma conexão que é possível se estabelecer a partir desta constatação, é a de que, numa tradição de textos analíticos, detalhados, com um grande numero de regras, a uma restrição maior as mudanças interpretativas e portanto uma necessidade maior de mudanças formais do texto, enquanto, numa tradição de texto sintético, principiológico, os processos de mudança interpretativos superam os processos de mudança do texto que, por este motivo, não são tão necessários. Isto explica, em parte, a razões de um maior numero de emendas em textos analíticos do que em textos sintéticos.

Por seu turno, a rigidez constitucional existe em face da supremacia axiológica das normas constitucionais em relação às demais normas jurídicas. No plano estritamente jurídico, só se pode falar em supremacia constitucional em vista da rigidez de suas normas. Isto é uma conseqüência da distinção entre o poder constituinte originário dos poderes constituídos ou instituídos. Por rigidez constitucional entenda-se a maior dificuldade para a modificação das normas da Constituição do que para a produção ou alteração das demais normas jurídicas do ordenamento estatal.
Em rigor, no mundo dos valores, a Constituição é suprema por conter as normas fundamentais de uma determinada comunidade política; no plano jurídico, a Constituição é suprema porque suas normas são rígidas, requerem um procedimento especial e qualificado para sofrer qualquer modificação.
Um exemplo é o numero de emendas ao texto da Constituição dos EUA (27 emendas em 220 anos) e ao texto brasileiro (55 emendas em 19 anos). Obviamente que o exagero das mudanças do nosso texto não se explica apenas por este motivo, somando-se a instabilidade econômica e as radicais mudanças de nossa sociedade e economia durante este período, além de resquícios autoritários do “pós-ditadura”, que levou por vezes, ao desrespeito à Constituição que resultou em emendas inconstitucionais, que suprimiram direitos fundamentais, como as que ocorreram durante os governos Fernando Collor e Fernando Henrique E Lula da Silva.

Alguns aspectos importantes derivam do conceito normativo de constituição: o caráter fundacional e a primazia normativa. Para uma melhor compreensão desses aspectos seguem-se alguns entretrechos extraídos de Gomes Canotilho:

"A constituição é uma lei dotada de características especiais. Tem um brilho autônomo expresso através da forma, do procedimento de criação e da posição hierárquica das suas normas. Estes elementos permitem distingui-la de outros atos com valor legislativo presentes na ordem jurídica. Em primeiro lugar, caracteriza-se pela sua posição hierárquico-normativa superior relativamente às outras normas do ordenamento jurídico. (...) a superioridade hierárquico-normativa apresenta três expressões: (1) as normas constitucionais constituem uma lex superior que recolhe o fundamento de validade em si própria (autoprimazia normativa); (2) as normas da constituição são normas de normas (normae normarum) afirmando-se como fonte de produção jurídica de outras normas (leis, regulamentos, estatutos); (3) a superioridade normativa das normas constitucionais implica o princípio da conformidade de todos os atos dos poderes públicos com a Constituição".

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